Rejeitado pelo STF, marco temporal é aprovado no Congresso; veja o que pode acontecer

Rejeitado pelo STF, marco temporal é aprovado no Congresso; veja o que pode acontecer
STF rejeita a tese do marco temporal para demarcar terras indígenas - G1

Tese do marco temporal, aplicada a partir de 2017, prevê que só podem ser demarcadas terras ocupadas pelos indígenas no dia 5 de outubro de 1988. Indígenas são contrários a esse entendimento; bancada ruralista é a favor.

Nesta quarta-feira (27), o Supremo Tribunal Federal e o Senado tomaram atitudes divergentes sobre o marco temporal para demarcação de terras indígenas.

STF, que na semana passada considerou o marco temporal ilegal, começou nesta quarta a discutir como, a partir desse entendimento, devem ser aplicadas as regras de demarcação de terras indígenas.

Já o plenário do Senado aprovou um projeto nesta quarta que estabelece o marco temporal como regra para as demarcações. O projeto já havia sido aprovado pela Câmara, e agora segue para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

 

  • O marco temporal é uma tese segundo a qual só podem ser demarcadas terras já ocupadas pelos indígenas no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Essa tese deriva de uma interpretação -- considerada equivocada pelo STF -- do artigo 231 da Constituição.

 

O artigo diz: "São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens."

Os indígenas são contrários ao marco legal. Argumentam que não é o critério de ocupação no dia 5 de outubro de 1988 não é preciso. Isso porque alguns povos são nômades e podem estar ligados a uma terra, mesmo não a habitando naquela data específica. Explicam também que a ditadura retirou muitos povos de suas terras históricas.

A bancada ruralista no Congresso, no entanto, defende o marco legal. Os parlamentares temem que, sem esse entendimento, terras hoje em mãos do agronegócio podem ser demarcadas como territórios indígenas.

 

Por que são possíveis os entendimentos contrários?

 

 

  • Supremo Tribunal Federal

 

Por um lado, o STF tem a prerrogativa de estabelecer o que é e o que não é constitucional.

O julgamento do marco temporal avaliou o caso concreto da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ, em Santa Catarina — habitada pelos Xokleng e por outros dois povos, os Kaingang e os Guarani. Com base no marco temporal, aplicado a partir do governo Michel Temer, em 2017, as demarcações na região foram paralisadas, o que foi contestado pelos indígenas.

O STF entendeu que o marco temporal não condiz com a Constituição e que esse entendimento deve valer para todos os casos sobre demarcações.

Mas a decisão do Supremo não vincula os parlamentares, ou seja, não obriga que o Poder Legislativo siga exatamente o que foi definido pelos ministros.

Na prática, isso significa que o Parlamento pode legislar sobre o caso - inclusive divergindo do que fixou o Supremo.

Isso é uma consequência da separação dos Poderes, prevista na Constituição. Cada um dos Poderes agiu dentro de suas competências.

  • Congresso

 

Por sua vez, o Congresso tem a prerrogativa de aprovar leis.

Com a aprovação do marco temporal por Senado e Câmara, o texto será levado à sanção ou veto do presidente Lula.

 

Qual entendimento vale no momento?

 

Por enquanto, vale o entendimento do STF, porque o projeto aprovado pelo Congresso ainda não virou lei. Isso só ocorrerá se Lula sancionar o texto.

Se o presidente vetar a proposta, os parlamentares podem derrubar o veto em sessão conjunta do Congresso Nacional. Neste cenário, o texto seria promulgado e passaria a valer como lei.

Tornada regra, a proposta passa a produzir efeitos no mundo jurídico, ou seja, estará em vigor. Mas, em tese, só poderia ser aplicada para disputas que surgissem após sua vigência. Pela Constituição, em regra, as normas não retroagem para mudar situações que ocorreram antes de seu nascimento.

E, ainda assim, mesmo em vigor, poderia ser questionada no Supremo Tribunal Federal. Ou seja, na prática, nesta situação, a controvérsia voltaria ao tribunal.

Risco de judicialização

Caberia, então, ao Supremo definir se a lei é válida ou não. Já tendo o precedente amplamente consolidado nesta quinta-feira (27), os ministros teriam de verificar se é o caso de rever este posicionamento.

Se o tribunal mantiver seu entendimento fixado nesta quinta, invalidando a lei, isso não vai impedir nova reação do Legislativo.

Parlamentares poderiam, então, tentar aprovar uma mudança na Constituição, por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC). Mas isso não impediria que o caso volte ao Supremo, se alguma instituição, mais uma vez, questionar a validade de uma eventual modificação na Constituição 

fonte: g1.globo.com

Por Fernanda Vivas, TV Globo